segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Comunicado do Conselho dos Laboratórios Associados t

EM DEFESA DA CIÊNCIA

Nas últimas semanas, cientistas eminentes e outras figuras públicas manifestaram a sua frustração com o que consideram ser uma política nefasta para a ciência por parte do governo. Realizaram-se também reuniões e manifestações de bolseiros e de investigadores em numerosos locais do país, formaram-se plataformas de intervenção cívica e várias instituições tornaram pública a sua enorme preocupação.

A Comissão Executiva do Conselho dos Laboratórios Associados tornou público um apelo ao governo, à Assembleia da República e ao Presidente da República, no dia 23 de Janeiro.

Nesse apelo, denunciava-se a vontade política de reduzir a comunidade científica portuguesa, pois, por decisão da FCT e do governo, tinham sido atribuídas apenas metade das bolsas de doutoramento habitualmente concedidas e menos de um terço das bolsas de pós-doutoramento. Isto depois de, poucas semanas antes, terem sido excluídos mais de 1000 investigadores doutorados enviando-os para o desemprego ou para o exílio forçado. Também o financiamento plurianual dos Laboratório Associados, daqueles que recebiam financiamento, tinha sido reduzido 30% em média, impedindo-lhes pois também, na maioria dos casos, a criação de oportunidades de emprego qualificado. Tais medidas não resultariam aliás de cortes no orçamento da FCT, que se manteria quase idêntico ao do ano anterior.

O CLA afirmava ainda:

“Reduzir drasticamente, como se pretende, a formação avançada de recursos humanos em ciência, e mandar embora grande número de cientistas qualificados, tem como consequência imediata reduzir a capacidade científica do País e a sua cultura científica e conduz ainda, inevitavelmente, à quebra de capacidade tecnológica do tecido empresarial português, atrasando a sua renovação e penalizando a sua competitividade.”

Entretanto, não só este apelo dos cientistas não teve resposta positiva, como novos factos vieram avolumar as preocupações expressas.

Vozes qualificadas e sociedades científicas reputadas vieram a público denunciar as alterações profundamente negativas introduzidas pelo governo ou pela FCT no sistema de avaliação da ciência conduzido pela FCT, subvertendo a confiança e a estabilidade desse sistema. Foram denunciados casos de membros sem qualificações mínimas nomeados para conselhos científicos da FCT e para júris, ao mesmo tempo que júris competentes se demitiam publicamente por interferência administrativa nas suas decisões, chegando a FCT ao ponto de alterar o ordenamento das classificações decididas pelos júris.

Tais denúncias, só tornadas públicas depois de não terem merecido explicação e retractação pelos responsáveis, nem assim tiveram resposta adequada.

A situação atingiu tal gravidade que, como veio a público na imprensa, o próprio Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, Conselho inteiramente nomeado pelo governo, vem pedir uma auditoria aos processos de avaliação da FCT, exprimir a sua preocupação sobre as decisões tomadas de exclusão e condenação ao desemprego ou à emigração de inúmeros cientistas qualificados e recomendar medidas correctivas.

Verificamos contudo que o comunicado aprovado pelo CNCT e largamente publicitado na imprensa não saiu normalmente a público porque o governo se permitiu exercer pressão sobre as deliberações deste órgão consultivo por si nomeado, para que as altere ou, pelo menos, as não divulgue publicamente!

Também finalmente se soube que o governo tinha entregado à Comissão Europeia, o “Contrato de Parceria” que governará as prioridades e instrumentos de intervenção na utilização em Portugal dos fundos estruturais europeus entre 2014 e 2020. Conhece-se a importância que os fundos estruturais (FEDER e FSE) têm tido no desenvolvimento científico do País. Contudo, apesar de sucessivos apelos por Universidades e organizações científicas, e pelo próprio CLA, o governo, à revelia das normas nacionais e comunitárias, não lhes submeteu para parecer a sua proposta, supomos que pela primeira vez desde que Portugal aderiu à CEE.

Mais recentemente, foi a comunidade científica surpreendida com as declarações de responsáveis governamentais, e designadamente do Primeiro-Ministro que ouvimos com estupefacção afirmar que os cientistas não teriam respondido adequadamente aos investimentos feitos na Ciência. A produção científica e as patentes, indicadores citados, não teriam evoluído em conformidade, e assim Portugal não tinha ainda atingido os níveis de países mais desenvolvidos. Por isso, seria necessário mudar de política!

O CLA gostaria apenas de responder serenamente que estas afirmações infelizes carecem de fundamento.

Precisamente por Portugal não ter atingido ainda os níveis científicos dos países mais desenvolvidos, deve manter, sem falhas, o investimento na Ciência.

Em percentagem do PIB, Portugal investe apenas três quartos da média europeia.
Por investigador, e corrigindo já as paridades de poder de compra, os cientistas portugueses trabalham com metade do financiamento médio europeu.

E contudo, na última década, ou nas últimas duas décadas, a produção científica nacional referenciada internacionalmente cresceu muito mais que o crescimento dos recursos investidos na ciência. O mesmo aconteceu com as patentes, ou com o número de cientistas doutorados. A balança de pagamentos tecnológica de Portugal, sempre deficitária, equilibra-se a partir de 2007.

A produção científica Portuguesa, na última década, é multiplicada por 3 e coloca Portugal a par da Itália ou da Espanha, convergindo com os níveis por habitante de países mais desenvolvidos, a partir de níveis tradicionalmente muito baixos. Mas para vir a atingir esses níveis, Portugal tem de continuar a investir na Ciência, hoje que sabe poder ter confiança na produtividade crescente dos cientistas.

Mais: de acordo com a OCDE pouquíssimos países conseguiram, nas últimas décadas, um desenvolvimento científico tão extraordinário como Portugal. Até em matéria de publicações científicas de alta qualidade, Portugal aproxima-se hoje de médias da OCDE, partindo de níveis baixíssimos há poucos anos. Será que apenas alguns em Portugal não querem ver o extraordinário progresso científico português que os mais competentes no resto do mundo elogiam?

Em matéria económica, sabemos que sem o desenvolvimento científico já atingido se não teriam modernizado e tornado essenciais sectores empresariais tradicionais, como o têxtil e o calçado, que se não se teriam informatizado os serviços e a generalidade da indústria, e do sector agro-alimentar, que não poderíamos ter atingido os actuais níveis de saúde, de qualidade de ambiente, de comunicações, de protecção face a desastres. Sem o desenvolvimento científico já atingido, muitas das nossas exportações simplesmente não existiriam, nem seria possível novo investimento industrial de qualidade. Os níveis de progresso já atingidos têm de ser superados, mas para tal é necessário ainda mais e melhor conhecimento, mais ciência.

Para progredir, como sociedade desenvolvida e culta, e como economia viável e baseada no conhecimento, Portugal tem de continuar a apostar no seu desenvolvimento científico.

Em matéria de recursos humanos, Portugal atingiu finalmente números de cientistas no conjunto da população próximos das médias da OCDE, embora ainda mais baixos que os dos países mais desenvolvidos. Este é pois o seu principal capital para o futuro que se não pode, a pretexto algum, desbaratar. Não aceitaremos nunca que se forcem à emigração e ao desemprego os mais qualificados, e especialmente os cientistas doutorados com provas dadas.

O CLA apela a todos os cientistas, a todas as organizações científicas e de ensino superior, às empresas inovadoras, aos profissionais qualificados de todas as áreas, e à opinião pública, para que defendam o futuro da ciência: por aí passa o futuro da sociedade.

O CLA quer ainda deixar a todos os jovens uma mensagem de esperança e de resistência: a Ciência em Portugal fez-se, ao longo de séculos, com enormes sacrifícios.
A todos, e ainda especialmente aos nossos colegas cientistas de outros países que connosco diariamente trabalham, é devida uma palavra de confiança e de solidariedade.

Nas últimas décadas, finalmente, a sociedade portuguesa e os seus então poucos cientistas conseguiram o que parecia impossível: chamar à educação científica jovens de todos os grupos sociais, mulheres e homens, criar instituições científicas modernas e apoiadas internacionalmente, produzir ciência de qualidade, desenvolver a apropriação da ciência pela sociedade e pela economia, garantir o progresso tecnológico. A Ciência é hoje, mais do que nunca, indispensável e reconhecida como tal. O seu progresso tem de continuar e de se acelerar em Portugal.



CLA, 10.02.2014

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