quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Caros colegas,

Agradeço ao colega Carlos Cupeto a chamada de atenção para mais uma peça que revela a excelência intelectual do debate público em Portugal protagonizado
 pela chamada "classe política" e pelos seus fazedores de opinião. Fiquei ciente de que "o ensino superior existe sobretudo para dar formação de qualidade aos estudantes, incentivar a inovação e dar à sociedade soluções para aumentar o seu desenvolvimento sustentável." No cenário que nos é oferecido antecipadamente, propõe que repensemos a missão da Universidade sob uma fórmula cativante (permitam-me que use uma expressão tão cara à tecnocracia do anterior regime).
O texto vem numa altura pertinente, visto que temos à vista eleições para o cargo de Reitor da UÉ e não faltará gente na academia que subscreve integralmente as opiniões próprias daquele ilustre jovem deputado do PSD.
E são opiniões fundada nos resultados de um estudo encomendado que, segundo parece, vem corroborar em muitos aspetos os factos e as crenças de um jovem que conheço e que, por sinal, conduz uma empilhadora numa empresa industrial.
Eu acreditava (é um voto de fé) que a Universidade deveria ser um centro de criação/produção de conhecimento científico, artístico, humanístico e técnico e que, por isso mesmo, a sociedade a encarregava da missão de formar os seus cidadãos ao longo da vida, atribuindo-lhes a faculdade de atribuir títulos académicos. E que esses títulos acreditavam publicamente ao longo da vida as exigentes competências adquiridas na academia. 
Ora, essas competências têm sido postas em causa diretamente pelo governo (veja-se o caso recente dos professores mais jovens) e pelos empresários (por exemplo, na área da saúde privada parece que preferem contratar médicos e enfermeiros estrangeiros; na assistência social, usam raparigas brasileiras para cuidar de idosos; na área dos serviços financeiros, contratam informáticos "brasileiros", etc., etc.) numa saudável lógica convenientemente (des)regulada.
Leio nos estatutos da UÉ:
A "Universidade de Évora (...) é um centro de criação, transmissão e difusão da cultura, da ciência e da tecnologia, que, através da articulação do estudo, da docência e da investigação, se integra na vida da sociedade". Ora, de acordo com a opinião daquele deputado, parece que "Urge desenvolver reformas que aumentem a qualidade, a competitividade e a eficácia do sistema" tendo em conta o tecido empresarial português QUE EXISTE. É fácil perceber que, atendendo ao nível de sofisticação científica e técnica das competências que são exigidas pelos empregadores nas ofertas públicas de emprego que tem existido na região e no país, bem como ao nível das remunerações que são atribuídas, que a região Alentejo não precisará mais, como modelo, do que algo parecido com o antigo colégio do Padre Alcobia de Ferreira do Alentejo e que bem supria as carências de formação daquele município até à engorda do Estado. 
Sejamos claros: para que serve gastar rios de dinheiro a produzir mestres e licenciados, ainda por cima oriundos a maior parte oriundos da ralé, se depois "não sabem trabalhar" em "centros de atendimento telefónico", como caixas de hipermercado, guias turísticos, serventes de café e de hotelaria (um ofício em vias de extinção), centros de massagens, etc. por 500 euros / mês ? E para que serve aos nossos jovens investir na sua formação se os sinais que lhes dá o poder político não apontam para outros caminhos que não sejam esses... ou a emigração? E ainda por cima sem capacidade creditícia para recorrer ao generoso financiamento bancário para continuar a estudar?
Com a retórica adequada, com o bombardeamento insistente nos media, com as medidas governativas graduais adequadas, invocadas em nome de uma qualquer emergência nacional, estou convicto que lá chegaremos... Basta descobrir as vocações das regiões (a do Alentejo era o trigo e a cortiça, não é verdade?) e promover o enquadramento adequado. E quem estiver mal nessa nova espécie de EPRAL do ensino superior, a ministrar " formação de qualidade aos estudantes", irá sair (por via da reforma ou da "mobilidade") ou adaptar-se certamente.  
Assim, depois de umas décadas a promover o "sucesso educativo" no ensino básico e secundário (que já chegou à universidade!), passaremos a promover a "formação de qualidade aos estudantes" (com a ciência e as artes caídas dos céus certamente, ou dos manuais ingleses vertidos na língua pátria, mais ou menos adaptados e explicadinhos pela sua autoria lusa), incentivando a inovação (reduzida assim ao engenho dos curiosos e analfabetos funcionais e à retórica que os portugueses sempre souberam usar para construir a sua própria realidade mítica) e dando "à sociedade soluções para aumentar o seu desenvolvimento sustentável" ( por via da redução das "despesas" com as reformas, por falta de sustentação económica, e com as gorduras do Estado que todos sabemos onde estão).

Saudações académicas,

Paulo Guimarães

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